Quando eu era criança, quis ser astronauta, frentista de
posto de gasolina, bióloga para salvar as tartarugas marinhas, ecologista para
abraçar e proteger as árvores... o restante fica por conta da sua imaginação
(sinto vergonha alheia de mim mesma) quando conto mais sobre o que queria ser. Não estava nos meus muitos sonhos de infância
ser educadora e aos 3.0 de vida ser missionária/voluntária em África. Ainda bem
que eu não controlo o meu guidom! E eu sou tão feliz com Ele na direção! Eita
Deus cheiroso!
É muito comum
perguntarmos a crianças o que elas pretendem ser quando crescidas, porque
sabemos que vamos ouvir as respostas mais absurdas possíveis, o que, vamos
combinar, é daora não é mesmo?!
Já há algumas semanas tenho conversado com grupos de
crianças órfãs e vulneráveis. A epidemia do HIV, na província onde vivo, já
matou milhares de pessoas e não é nada incomum encontrar nas comunidades mais
afastadas e/ou aldeias, casas inteiras em que não viva um adulto – lugares onde
o “líder” da família é um garoto de dez anos de idade.
Os miúdos: Jovência, Vanessa e Bito |
Isso tudo me fez pensar no que é infância para essas
crianças, e onde ficam os sonhos delas. Eu quero enquanto puder estar junto, não
ensinar esses garotos e garotas apenas alguma habilidade manual para a vida,
mas também tentar dar-lhes espaço para serem crianças.
E aí, na semana passada,
resolvi fazer a pergunta que para mim é algo natural. O que vocês
sonham ser quando crescerem?
“Quero ser cobrador de chapa”, respondeu Bito, um rapazinho
de nove anos.
“Vou vender legumes no mercado”, disse-me uma menininha já
um pouco mais velha.
A realidade delas me atingiu: essas crianças não estão preocupadas
em ser astronautas; elas querem sobreviver, e as primeiras coisas que pensam
são aquelas profissões que dão retorno financeiro imediato.
Os Chapas, são o transporte de massa de Moçambique – e de
boa parte da África. Mas o trabalho de cobrador é um dos menos cômodos do
mundo. Ele geralmente vai em pé, todo torto, por caminhos sinuosos e
esburacados, sem conforto nenhum. É ele quem ouve todas as reclamações das
pessoas, e ele quem coloca a vida constantemente em risco – se o motorista
decide levar mais gente do que cabe fisicamente no chapa (o chapa geralmente
contem 15 assentos, mas o motorista coloca 26 a 30 pessoas lá dentro) o
cobrador vai pra fora do carro, segurando-se na porta. E sim, ainda assim esse
era o sonho daquele garoto.
Essas aí são crianças que não têm nem em quem espelhar-se,
não têm heróis, não têm pai nem mãe. Não é que não tenham ambições maiores, elas
tem. Muitas querem ser médicas, engenheiras, e a maior parte sonham em se
tornar professores. Mas agora estão
preocupadas em como continuar a viver e garantir o sustento de suas casas.
Me peguei pensando também que nós, no Brasil, temos uma
relação de amor e ódio com nossos professores da escola. Não me lembro de
muitos coleguinhas querendo ser professores, eu mesma não queria ser, rs. Tá ligado que os professores da
escola são a figura mais próxima de um pai ou mãe que esses miúdos têm né?!
Fiquei com isso na cabeça. Outro dia, tive uma resposta de
uma garotinha de dez anos que me fez rir. “Vou crescer e ir com a muzunga lá
pro Brasil! Vais me levar pra ser atriz da novela!”.
Pelo menos isso parece que não muda do Brasil pra cá. Rs
Vanessa (blusa cor de rosa) quer ser atriz de novela |
Eu tenho aprendido muito com as crianças aqui sobre
responsabilidades no lar, obediência e honra à família, com a falta de
oportunidade de estudos e consequentemente a luta, sim, aqui se luta muito pra
ter uma vaga na escola e dá-se muito valor quando se consegue ingressar nos estudos.
Todos os meus estudos foram em instituições públicas, tive
grandes dificuldades financeiras mas nunca tive que pagar por minha matrícula
sendo ela gratuita. Sempre andei de dois a quatro quarteirões pra chegar na
escola e não 5, 7, 10 ou 15km a pé. Tive lanche gostoso todos os dias e os cadernos
mais lindinhos que minha mãe comprava. Nunca fiz apenas uma refeição por dia. Tive
guarda-chuva, nunca cheguei ou voltei da escola chorando por que todos os
livros foram molhados (o choro é pelos livros e não pelo cabelo, roupas ou
sapatos), tive que ajudar nas tarefas do lar, mas a maior parte do dia era para
brincar. Tive família. Minha infância não foi violada
por crimes ou pela cultura.
Tenho pedido perdão a Deus por que tive todos os direitos/deveres da infância garantidos por Lei e por minha família e não dei tanta importância ou não aproveitei como deveria. Foi preciso vir a África para ser grata a Ele pela minha infância e por toda a minha vida.
Jovência: Ela entrou no meu coração! |
Oro para que a graça do Deus vivo seja sobre as crianças de
Moçambique. E que antes mesmo delas serem quando crescerem o que desejam na infância, sejam primeiramente crianças do Reino de Deus e que esta nação, que o Governo, que a Igreja, que a família, que os estrangeiros e todo o mundo cuidem delas como presente e não como ''futuro da nação, da Igreja...''.
Oro para que eu tenha o olhar e o amor de Jesus por elas e que eu não viva um só dia sem a presença delas e que perceba nelas aquilo que o Mestre deseja ver em mim.
E Que o seu coração seja sensível a presença e a necessidade delas.
E Que o seu coração seja sensível a presença e a necessidade delas.
No amor daquEle que disse:
''Que o maior no reino era quem fosse como uma
criança; E que quem quisesse entrar no reino tinha de se tornar como
uma criança.''
Abraço de urso.
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